Compulsão e Privação - a mentalidade de dieta

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Há famílias inteiras sofrendo com os problemas alimentares, que se comportam bulimicamente, promovendo verdadeiras orgias alimentares em datas festivas e, nos outros dias, cumprindo dietas extremadas, sob regime de severa privação cotidiana. É freqüente encontrarmos na clínica pessoas que liberam os chocolates e doces, alimentos considerados perniciosos, apenas para os fins de semana. Mas, de fato, esse tipo de controle funciona muito pouco ou precariamente para aqueles que sofrem de distúrbio compulsivo de alimentação. Muitos desses pacientes comem os alimentos proibidos também durante a semana, mas sem legitimar o alimento, como se fosse um pecado a omitir da consciência, dessa maneira, tais alimentos não são contabilizados na alimentação das pessoas, nem sequer escolhidos pelos sinais de fome e saciedade: ficam à parte ou são considerados prêmios ou calmantes, e nunca são vistos como comida. É comum nossos pacientes nos contarem que aprenderam com suas mães a se darem doces ou comidas gostosas depois de algum tipo de estresse. A mãe de uma paciente costumava lhe dar doce depois de um episódio de desentendimento familiar ou depois de ver o bom comportamento de sua filha em ocasiões especiais, como a ida ao médico ou o dia de vacinação. Essa paciente saía da academia de ginástica e se dava um doce de presente, por bom comportamento; comia o doce, mas não o relacionava à fome. Não comia pela fome, menos ainda guiada pela saciedade: o medo da privação e a própria privação favorecem esse tipo de comportamento alimentar que leva à compulsão.


Na prática, encontramos pessoas que comem um alimento, muitas vezes em grande quantidade, sem vontade e em ritmo vertiginoso, compulsivamente, motivadas pelo terror de engordar ou pelo terror de serem envenenadas, que funcionalmente se assemelham. Comem um pé de alface no lugar de um bife, por exemplo, orientadas por médicos ou familiares que ocupam um lugar de autoridade. Uma paciente tentando emagrecer me disse que comia cada vez mais salada, e que sentia fome durante todo o dia; à noite, ao jantar, comia tudo o que via pela frente, de forma indiscriminada. Ela não sabia nem mais se sentia fome e só conseguia parar de comer quando o marido tirava a comida de sua frente ou quando seu estômago doía. Depois, sentia um vazio e uma estranha culpa. Sabia que estava descontrolada, mas não sabia como alterar essa situação. Outro dia, comeu mais de 15 empadinhas, de uma só vez, em uma festa. Não conseguia parar de comer. Voltou mais cedo para casa, estava envergonhada, seu comportamento social tinha sido vexaminoso. Ela afirma que nunca recusou comida, sempre aceitou tudo que lhe oferecem, não sabe como reconhecer a fome nem a saciedade e muitas vezes só pára de comer quando a comida acaba.


Há também os que passam a vida escondendo dos familiares e de si mesmos o ato “sujo e feio” que é comer - devoram rapidamente seu prato de prazeres proibidos, para que ninguém mais os veja. Outros colocam cadeados nas geladeiras ou escondem chocolates na máquina de lavar roupas. Seja como for, os sinais básicos da alimentação estão perdidos e o prazer de comer é evitado como se fosse um pecado. Podemos antever como a privação de prazer e de alimento livremente escolhido cria as condições para o aparecimento de uma compulsão alimentar. Em minha experiência clínica, essa compulsão está diretamente ligada à privação, seja ela real ou imaginada.