sexta-feira, 18 de março de 2011

Quando a violentada leva a culpa

ABUSO SEXUAL

Quando a violentada leva a culpa

Por vezes é necessário que a mulher 'prove', por meio de estigmas, que a culpa do estupro não é da própria estuprada. Por Hugo Souza


A acusação de estupro que a Suécia ora dirige contra o fundador do WikiLeaks, o australiano Julian Assange, é considerada por muitos – e até por muitas – um exagero. Como se sabe, Assange cometeu o “crime” de não usar preservativo quando teve relações sexuais com duas mulheres em camas suecas. Noves fora as muitas nuances – inclusive políticas – que balizam o caso de abuso sexual envolvendo Assange, a sensação de que a Justiça da Suécia está sendo rigorosa demais com ele é atenuada quando se toma conhecimento de que o país é hoje um dos líderes mundiais em condenações de pessoas que transmitiram o vírus da Aids a terceiros através do sexo.
Contextualizado o mais famoso caso de abuso sexual dos últimos tempos, cabe perguntar: até que ponto aquele sentimento de exagero no que tange à acusação de crime sexual contra Julian Assange – ou mesmo as aspas ao redor da palavra crime no parágrafo anterior – é reflexo dos estigmas – ou da ausência deles – que aos olhos dos outros as mulheres vítimas de violência sexual deveriam carregar?
As duas suecas que prestaram queixa contra Assange não pareciam forçadas a coisa alguma. E é exatamente este o problema das mulheres violadas em geral, sobretudo em jurisdições pouco nórdicas, por assim dizer.
A culpa do estupro é da própria estuprada?
Em fevereiro deste ano o jornal argentino Página 12 publicou uma reportagem especial em seu suplemento feminino abordando o discurso sobre a mulher violada. A jornalista Flor Monfort  mostrou que a construção social da mulher que sofre violência sexual começa desde antes da violação, com a naturalização do “que nunca aconteça com você”, até a necessidade de que a mulher violentada “prove”, por meio de estigmas, que a culpa do estupro não é da própria estuprada:
“Desde a infância se produz uma operação simbólica pela qual nós mulheres estamos preparadas para sermos estupradas. Mais que preparadas, “avisadas” de que isso pode acontecer. De que a saia curta, o cabelo solto, os lábios pintados com batom ou uma caminhada de madrugada são sinais, mais que de perigo, de que uma mulher quer que alguém a estupre. E, se isso ocorrer, que chegue na delegacia banhada em sangue”.
Até que ponto, questiona a jornalista, tudo isso conspira contra a possibilidade dessas mulheres serem escutadas?
O estupro no ‘mundo civilizado’
Uma pista sobre até que ponto a “conspiração” vai: um estudo realizado no hospital estadual paulista Pérola Byington e divulgado no final do ano passado mostrou que a imensa maioria das 963 mulheres que sofreram estupro e foram atendidas no hospital nos últimos 15 anos não procuraram auxílio médico imediato. Imediato, no caso, significa os cinco dias subsequentes à violação, período em que é possível a administração do contraceptivo de emergência para evitar uma gravidez indesejada.
No caso de Lara Logan, a repórter norte-americana da CBS que foi estuprada no Egito em meio às agitações na praça Tahrir, muitos atribuíram à violentada a violência que ela sofreu, dizendo que repórteres mulheres, e sobretudo as bonitas, só deveriam trabalhar em lugares seguros, e o Egito, ainda mais o Egito em rebelião, por certo não seria um desses lugares.
Talvez Lara devesse ficar só nos EUA, onde uma mulher é estuprada a cada 90 segundos, ou talvez pudesse ser correspondente na França, onde 25 mil mulheres são violentadas todos os anos. São dados da Organização Mundial da Saúde sobre o chamado “mundo civilizado”

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