CRÍTICA DE CINEMA
Incêndios, de Denis Villeneuve
O diretor Denis Villeneuve, adaptando a peça homônima de Wajdi Mouawad, criou Incêndios como um produto destinado a proporcionar a mais profunda catarse no espectador. Por Francisco Taunay
Em algumas ocasiões ao longo da história foram feitas tentativas, mais ou menos bem sucedidas, de realizar a tragédia tal como os gregos a criaram. Tanto Shakespeare quanto seus sucessores do romantismo alemão, como Shiller, buscaram construir uma dramaturgia que causasse o efeito trágico, a chamada catarse, na platéia. Essa catarse, tal como é definida na Poética de Aristóteles, é um sentimento que acomete o espectador quando ele se identifica com os sofrimentos do herói da tragédia, que é punido pelos deuses após cometer algum ato tabu, como incesto, fratricídio, etc.
No mundo de hoje, com a quantidade incrível de informações que bombardeiam nossos sentidos, fica difícil compreender, e mais ainda sentir, o que seria essa famosa catarse, que foi dissecada através dos tempos pelos teóricos, leitores de Aristóteles. Segundo este sábio_ que apenas descreveu a estrutura dramática das tragédias gregas que atraiam milhares de pessoas e eram comparáveis aos filmes de hoje_ assistir a uma peça destas seria uma espécie de medicina: Ao criar empatia com o herói, a platéia sofreria junto com ele e faria uma espécie de purgação dos seus sofrimentos, saindo aliviada do espetáculo.
Essa catarse também estaria relacionada à própria trama, dependendo da sua sutileza no desenvolvimento da estória, e a uma certa pedagogia: Já que assisto alguém ser punido por realizar algo proibido, provavelmente não farei o mesmo. Mas esta é outra história; o que importa é que o filme Incêndios, uma releitura contemporânea de uma tragédia grega específica, provavelmente conseguiu seu objetivo de causar — pelo menos em mim e provavelmente na maioria da platéia do cinema em que eu estava, que saiu da sessão completamente muda — uma super catarse.
Sim, não me lembro jamais de ter sentido algo parecido, causado por uma espécie de iluminação, de uma reviravolta inesperada no curso do filme. Fiquei desorientado; fui salvo por uma dose de cognac em um restaurante próximo. Mas até ficar bem, parecia que seria acometido por uma síncope. Lembro de alguns filmes que mexeram com a platéia das formas mais estranhas: Invasões Bárbaras, ao contar a estória de um pai moribundo, que resolve se redimir junto ao filho nos últimos momentos de sua vida, arrancou rios de lágrimas da audiência; Arraste-me para o Inferno causava uma mistura de pavor e riso nos espectadores; O Nadador, filme de 1968 com Burt Lancaster, desperta uma profunda desolação. Bom, nada disso comparável a este Incêndios.
O diretor Denis Villeneuve, adaptando a peça homônima de Wajdi Mouawad, criou Incêndios como um produto destinado a proporcionar a mais profunda catarse, ou o que venha a ser isto, no espectador. A estória se passa na Palestina e na França, de maneira simultânea, unindo dois gêmeos que vão em busca de respostas sobre o passado de sua mãe. Passado e presente se unem para, de forma emocionante, realizar a trama que envolve o ódio religioso entre católicos e muçulmanos, assim como amor, perdão, e confiança, um sentimento de absoluta importância. Mudando a perspectiva da tragédia clássica, amparada em diferentes personagens, a trama de Incêndios tem êxito em atingir o espectador ao mostrar que o homem, por melhor ou pior que seja, é maior (pode ser) do que a prisão que ele criou para si mesmo, repleta de regras e limites.
Nenhum comentário:
Postar um comentário