FILMES
O 11 de setembro nas telas, dez anos depois
Documentários são o que há de melhor a respeito do controvertido e trágico episódio. Para se produzir uma boa história dramática, é preciso distanciamento. Por Solange Noronha
Dez anos costumam ser pouco para se conseguir o distanciamento necessário — além de superar o choque e até a saturação do público com o tema — e produzir uma obra-prima a respeito de um evento de grande impacto. Foi assim, por exemplo, com as duas Guerras Mundiais e com o Vietnã, mesmo em tempos de poucas mídias para bombardear o mundo com informação. Com o 11 de setembro, não é diferente. Uma década depois do atentado que derrubou o World Trade Center, o cinema ainda está devendo um grande filme dedicado ao assunto.
A TV norte-americana, mesmo fora do noticiário, exagerou na dose. Todos os seriados — em especial os policiais — começaram a ver um terrorista em cada esquina — principalmente de Nova York, é claro. As tramas ficaram chatas e repetitivas e mesmo o bom ator Gary Sinise quase afunda no segundo filhote de “CSI”, porque fizeram de seu personagem o viúvo de uma vítima da derrubada das torres gêmeas. Um episódio a mais com o detetive Mac Taylor olhando triste para o Marco Zero e tudo estaria perdido.
Investigações interessantes
Documentários são outra história. Prescindem de emoção, dramas pessoais e tramas paralelas. Mostram fatos, aventam hipóteses, buscam a motivação por trás do evento trágico e, mesmo se não são completamente verdadeiros, levam à reflexão.
Dois bons exemplos são “Fahrenheit 11 de setembro”, que o sempre polêmico e instigante Michael Moore realizou em 2004, e “Zeitgeist”, que o bem menos conhecido — mas igualmente controverso — Peter Joseph escreveu e dirigiu em 2007. Com investigações interessantes, ainda que a serviço de teorias conspiratórias (e, no caso do segundo, até um toque de “misticismo cósmico”, que só não chega a comprometer muito por ser no finalzinho), ambos levam o espectador a pensar. Isto já é um feito e tanto nestes tempos em que a Humanidade se assemelha a um rebanho de dóceis ovelhas incapazes de formular ideias próprias ou fazer a ação mais banal da vida cotidiana sem o auxílio de um manual de instruções, ou de um “personal qualquer coisa”. Fazer o espectador questionar os discursos dos governantes e da grande mídia, então, é uma verdadeira façanha.
Na ficção, as melhores produções até agora são as que passam longe do episódio propriamente dito e direcionam as lentes para os cidadãos comuns pós-tragédia. Um bom exemplo é “A última noite”, de Spike Lee. David Benioff, autor do romance (pré-11 de setembro) que deu origem ao filme, escreveu ele mesmo o roteiro, adaptando-o, de forma sutil, à realidade de 2002. O elefante está na sala — ou na paisagem que se vê da sala do apartamento de um dos personagens — e não há como ignorá-lo. Mas Nova York não pode parar, como dizem grafites e a trilha sonora. Nem mesmo Montgomery Brogan — vivido pelo ótimo Edward Norton — pode parar, ainda que esteja a poucas horas de cumprir sete anos numa penitenciária por tráfico de drogas.

'A última noite', de Spike Lee: lentes voltadas para os cidadãos no pós-tragédia (Reprodução/ internet)
O viés lembra um pouco o de outro romance, “Cidade pequena”, de Lawrence Block, que abre com uma breve descrição dos acontecimentos do dia 11 de setembro de 2001, quando “o amanhecer ocorreu às 6h33”, o registro do fim dos trabalhos de limpeza no Ponto Zero, “às 10h29 de 20 de maio de 2002”, e a frase: “Por toda a cidade havia consenso de que nada mais seria como antes.” Daí pra frente, é vida que segue — e já estamos saindo do cinema para entrar na literatura, que é outra história.


 
 
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