LIVROS
Uma viagem pela literatura russa
Em “The Possessed”, Elif Batuman mistura análise de obras de escritores da Rússia com divertidos casos pessoais

Acadêmicos raramente são guias confiáveis da literatura. A magia que atrai intelectuais a certos livros tendem a ser arrasadas por teorias, jargões, e a necessidade de ser obscuro. É isso que torna “The Possessed” uma leitura tão agradável. Em uma série de ensaios sobre a literatura russa e seus leitores, Elif Batuman, uma professora turco-americana com um doutorado na Universidade de Stanford, transporta para as páginas com sucesso toda a complexidade onírica da literatura russa. Com anedotas pessoais sobre as conferências de Tolstoi, castelos de gelo em São Petersburgo e um verão em Samarcanda, ela também captura a maneira como a vida pode ser tão mistificadora e profunda como esses livros.
Batuman descreve sua rota rumo ao PhD em literatura comparativa com uma verve incomum, e talvez seja por isso que sua explicação soe um tanto defensiva. Uma aspirante a romancista, Elif sempre partiu do princípio de que a ficção deveria surgir a partir das experiências, e não do estudo de outros livros. Mas havia algo na literatura russa, no modo russo de ser, que fascinou desde cedo, quando teve aulas de violino com um estranho russo chamado Maxim. Como uma espécie de Eugene Onegin contemporâneo, Maxim vestia camisas de gola rolê, e parecia “profundamente concentrado em considerações e teorias além dos níveis normais da cognição humana”. Volátil e imprevisível, ele era o tipo de homem que só poderia ser explicado por Pushkin e Tolstoi.
Mas foi na universidade que Batuman se aproximou da ideia de que os russos – seu idioma e sua literatura – eram as melhores maneiras de compreender “o enigma do comportamento humano e a natureza do amor”. Quando ela descreve a “perfeição sobrenatural” de “Anna Karenina”, seu ritmo se acelera: “Como algum ser humano conseguiu escrever algo que é, ao mesmo tempo, tão grande e tão pequeno… tão estranho e tão natural?” Ela se impressiona com o fato de a heroína não aparecer até o capítulo 18, e o livro seguir por mais 19 capítulos após sua morte. Ela se lembra de seu primeiro livro em russo, que trazia uma história sobre uma mulher que vai visitar seu namorado e encontra uma nota que diz “Esqueça-me”. Destinada a explorar a influência da literatura nas experiências e a reflexão das mesmas na própria literatura, não chega a ser uma surpresa que Batuman tenha decidido se “inserir” nesse mundo de ambiguidade cativante.
Com um ouvido atento ao absurdo, Batuman tem seu melhor momento quando relembra as estranhezas do mundo acadêmico. Em um de seus melhores ensaios, “Babel in California”, ela não apenas dá forma ao legado literário de Isaac Babel, um autor russo menos conhecido do século XX, mas também parodia a loucura atordoante de “Alice no País das Maravilhas” em uma conferência acadêmica. Durante uma refeição, a filha mais velha de Babel pergunta a um especialista com sua voz “descontrolada e sepulcral”, “É verdade que você me odeia?”
Em outro grande ensaio, “Quem matou Tolstoi?”, Batuman descreve como a Aeroflot perdeu sua bagagem, obrigando-a a apresentar seu trabalho em uma conferência, usando calças de moletom e chinelos. Dias mais tarde, usando o mesmo figurino “Tolstoiniano”, Batuman liga para a companhia aérea novamente, e ouve de um atendente: ”A senhora conhece o termo russo, “’resignação da alma’?”
O motor desse livro é o entusiasmo erudito de Batuman por ficção grandiosa, sombria e ocasionalmente ilógica. Com bastante humor e um senso de romance ela escreveu um estimulante guia de viagens de aventuras literárias. Se Batuman vai ou não escrever um romance, só o futuro dirá, mas com “The Possessed”, ela revela seus poderes como contadora de histórias.

 
 
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