domingo, 6 de março de 2011

Da janela do manicômio, vemos os defeitos alheios

Opinião


No manicômio, ninguém se dá conta com facilidade de seu estado de loucura (Fonte: Economist)

Da janela do manicômio, vemos os defeitos alheios

A China pode não ter eleição com tanta frequência como o Brasil, mas lá não tem manicômio tributário. Por Paulo Rabello de Castro
A China é uma ditadura e o Brasil uma democracia. Correto? Depende do que estamos considerando. A China não é uma economia de mercado, mas o Brasil é. Certo? Mais uma vez, depende do ângulo de visão. O embaixador da China no Brasil, Qiu Xiaoqi, deixou transparecer essas ideias numa entrevista no domingo passado, apenas com outras palavras. O que ele afirmou, com todas as letras, foi que o Brasil reclama sem razão do enorme poder de competição dos produtos chineses.

Qiu sugeriu, na entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, que o Brasil deveria analisar seus próprios problemas. Pensemos na imensa quantidade de gravames burocráticos, logísticos, técnicos e de impostos que oneram os produtos brasileiros. Falemos hoje só de impostos.

O Brasil é um manicômio tributário. É o único país do mundo a taxar um produto industrializado com o IPI, só pelo fato da sua transformação industrial, ainda um resquício da proibição portuguesa à manufatura no Brasil Colônia. Ou seja, se é industrializado, imposto nele! Aqui tem também a regra do imposto sobre o imposto, formando cascatas tributárias. Verdadeira loucura. Para completar a insana escalada, temos o “imposto cobrado por dentro”, que é como se calcula a incidência de um tributo já dentro do próprio preço. Isso faz uma alíquota tributária pular de 25% nominais para 33% efetivos.

A China pode não ter eleição com tanta frequência como o Brasil, mas, em compensação, lá não tem manicômio tributário. Você diria: por que, então, nosso povo distraído ainda não mandou para casa os políticos adeptos da má tributação? Justamente porque, no manicômio, ninguém se dá conta com facilidade de seu estado de loucura. O diabo do manicômio é acharem, lá dentro, que loucos são os outros, como já nos lembrava o mestre Machado de Assis num conto primoroso. Na tributação brasileira a loucura é igual, pois o brasileiro comum não acha que paga imposto, coisa exclusiva dos ricos, que pagam Imposto de Renda. Em sua esperteza colonial, nosso sistema de impostos esconde o “pau de arara” tributário nos porões da estrutura de custos dos produtos, não permitindo a transparência da carga tributária no preço final. Perdemos todos com isso. O emprego dos brasileiros é onerado. Tudo fica mais caro. O governo pensa que ganha com o sistema tresloucado, por arrecadar mais; porém, trabalha contra o crescimento, ao prejudicar os investimentos privados.

O Brasil se diz democracia, mas os políticos debatem a volta da CPMF, não mencionada na campanha.

Na China, que não é um sistema de muitos partidos, os políticos parecem ter mais preocupação de legitimar seu poder por adotar um sistema produtivo incentivador da competição e do desenvolvimento. No Brasil, que se diz uma democracia, políticos se reúnem para debater a recriação de um tributo como a CPMF, já rejeitado pela população e que não constava de nenhum programa eleitoral dos partidos. Se isso não é uma espécie de loucura, o que será então?

Lembro-me da cena dos choques elétricos aplicados na cabeça de pacientes numa enfermaria de conhecido manicômio do Rio de Janeiro. Na cena que presenciei, eram cerca de 20 camas alinhadas lado a lado, onde os pacientes esperavam amarrados e amordaçados, enquanto o enfermeiro ia passando com a máquina de eletrochoque. A cada descarga elétrica, os corpos primeiro se enrijeciam e se debatiam freneticamente para, em seguida, ir relaxando numa perturbadora tranquilidade.

Não paro de pensar que nosso sistema tributário tem total semelhança com aquela imagem dramática da loucura pacificada por descargas elétricas. Quando cogitam reencarnar a CPMF, em vez de apoiar uma verdadeira simplificação de nosso sistema maluco de impostos, os governadores brasileiros agem como enfermeiros indiferentes ao drama humano dos brasileiros amarrados e exauridos, presos no manicômio tributário do Brasil pobre de talento e criatividade.

A China pode ter outros defeitos horríveis, mas os chineses não estão morrendo de descargas tributárias.

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